Conhecimento Geográfico
O conceito de desenvolvimento regional e desenvolvimento desigual
O conceito de desenvolvimento é amparado por um amplo debate teórico. Esse conceito perpassa a leitura sobre as condições históricas de avanço das sociedades, bem como as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado. As diferentes perspectivas do conceito de desenvolvimento abarcam noções como, transformações, modernização, progresso técnico, econômico, avanço das tecnologias, crescimento econômico. Há um longo debate em torno desse conceito que ora nos propomos a limitarmos o debate em torno do conceito de desenvolvimento regional e desenvolvimento desigual, pois poderíamos falar em desenvolvimento sustentável, desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, desenvolvimento político, entre outras análises em torno deste conceito.
Partindo, portanto, do conceito de desenvolvimento regional, um dos autores de maior importância no Brasil que merece atenção é Celso Furtado. Segundo Theis,
grande
parte da produção intelectual brasileira sobre desenvolvimento
regional
no período recente (isto é, nas últimas três a quatro décadas)
faz
referência, direta ou indiretamente, à obra de Celso Furtado [...]. É,
sem
lugar à dúvida, uma razão suficiente para não se ignorar a sua
importante
contribuição (THEIS, 2019, p.340).
As obras de Celso Furtado contribuem para o debate atual sobre o desenvolvimento regional. A região pode ser vista como uma delimitação territorial, ou pode ser vista como produto da ação humana. A região na geografia tem uma ligação com o território, ou seja, é a divisão de um território. Contudo, deve-se levar em conta que ela também é resultado da produção humana em suas características socioeconômicas e na relação socioambiental, pois parte da relação do homem com a natureza.
Para o Brasil, é importante analisar a formação territorial, econômica e social por processos históricos, enfatizados nas obras de Furtado. O desenvolvimento brasileiro tem como base sua formação colonial, ou seja, sua formação territorial pautada nos interesses das nações europeias, o que podemos considerar, que fomos colonizados, expropriados e explorados por regiões centrais, o que nos coloca em condições de um território periférico dentro das relações do sistema do capitalismo mundial.
Nesse viés, não podemos
pensar o desenvolvimento regional apenas como caráter de crescimento econômico,
é necessário levar em consideração aspectos sociais, políticos, territoriais,
espaciais (THEIS, 2019), uma vez que, a noção de desenvolvimento regional deve
abranger a análise territorial, pois pensar o desenvolvimento requer analisar a
totalidade dos fatos, uma vez que esse desenvolvimento centrado nos aspectos
econômicos tem ampliado as
desigualdades
sociais dentro do contexto global.
O espaço geográfico, em suas delimitações territoriais, tem a desigualdade bem explícita no contexto da economia-mundo, principalmente quando se analisa do ponto de vista de economias centrais, que impõe sua lógica de produção sob as demais economias. Desta forma, as condições de desenvolvimento, quando analisada do ponto de vista econômico, determina diferenças entre as nações, como o Brasil considerado como um país subdesenvolvido, ou seja, um país que não tem desenvolvimento perante a realidade determinada pela economia mundial.
O Brasil é um país
semiperiférico, notoriamente, subdesenvolvido, que
mesmo sendo
industrializado a partir da década de 60, continua um país a
margem da economia
mundial (THEIS, BUTZKE, 2017).
Corroborando com Theis e Butzke,
O
Brasil constitui uma formação social única também por manter
intactas
as estruturas produtoras de desigualdades sociais e
disparidades
regionais – um território desestruturado em regiões que
permanecem
se conectando privilegiadamente com os destinatários
dos
recursos de sua ainda exuberante natureza – ao longo dos mais de
cinco
séculos de sua existência (THEIS, BUTZKE, 2017, p.18).
O Brasil, pautado numa construção territorial colonial, continua com um Estado cada vez mais dependente das nações centrais. Na atualidade, essa dependência se dá a partir das políticas neoliberais, que impulsionam o aumento da desigualdade, da pobreza, da miséria, etc. Portanto, pensar o desenvolvimento no Brasil requer ir além da perspectiva econômica, é preciso analisar a questão do subdesenvolvimento, ou do desenvolvimento desigual e combinado, pois este é a característica central do território brasileiro, que, ao mesmo tempo que permite uma pequena parcela da população usufruir dos avanços da produção capitalista, a maioria da população sofre suas consequências, e no contexto dessa maior parte da população, neste trabalho, chamamos atenção para a classe camponesa.
Contudo, antes de entrarmos no debate da classe camponesa, o conceito de "desenvolvimento desigual e combinado" precisa ser analisado, uma vez que, ele traz em si os exemplos das contradições presentes no capitalismo.
Consideramos, portanto, que,
[...]
O desenvolvimento desigual é, no mínimo, a expressão geográfica das
contradições do capital. [...] O desenvolvimento desigual é tanto o produto
quanto a premissa geográfica do desenvolvimento capitalista. [...] O desenvolvimento
desigual é a desigualdade social estampada na paisagem geográfica e é
simultaneamente a exploração daquela desigualdade geográfica para certos fins
sociais determinados [...] (SMITH, 1988, p.217- 221 apud
KOHLS, 2014, p.24).
O desenvolvimento abrange várias noções quando se trata de analisar o espaço geográfico. O desenvolvimento atrelado a noção de progresso de um país, em virtude do crescimento econômico. O desenvolvimento baseado na realidade cultural de um território. O primeiro vê o desenvolvimento como progresso, modernização, industrialização, globalização, contudo esses processos não só evidenciam mudanças drásticas nas relações econômicas, produtivas e sociais no mundo como expressam claramente a ampliação de um desenvolvimento desigual. O segundo, por exemplo, pensa o desenvolvimento articulado a outras noções sobre as questões sociais, ambientais, econômicas, por exemplo, o indígena não pensa o desenvolvimento como o cidadão urbano.
Portanto, há outros modelos de desenvolvimento, que desconsideram a lógica capitalista e lutam por outro tipo de sociedade, com outras características, como o modelo de desenvolvimento do campesinato, que se organiza pautado numa outra lógica de produção, resistência, lutas e sobrevivência.
O conceito de desenvolvimento é amplamente discutido desde a Segunda Guerra Mundial, diante das transformações econômicas, políticas e sociais que ocorriam no mundo. Esse conceito está atrelado a ideia de crescimento econômico, e consequentemente a evolução no padrão de produção, avanço das técnicas, das tecnologias, da comunicação e, portanto, do processo de globalização.
Apesar de certas características e teorias terem influenciado a construção da noção de desenvolvimento de maneira mais marcante, percebe-se que o conceito está relacionado com uma diversidade de perspectivas, e dependendo do contexto em questão, o pensamento desenvolvimentista pode assumir diferentes enfoques. Nesse sentido, é mais prudente encarar o pensamento desenvolvimentista como processo de contínuo questionamento e de embate entre perspectivas, do que um conjunto rígido de ideias passível de ser encapsulado em um mesmo paradigma (OLIVEIRA, 2010, P. 64-65).
Diante de toda essa complexidade em torno do conceito de desenvolvimento, escolhemos nos perguntar neste trabalho: que tipo de desenvolvimento é esse, que ao invés de proporcionar a melhoria das condições de vida da maior parte das populações tem feito o contrário? Ou seja, tem aumento as desigualdades sociais, o desemprego, a miséria. Portanto, há neste modelo de desenvolvimento um direcionamento específico, ou seja, é um modelo pautado no crescimento econômico, ligado ao desenvolvimento do capitalismo, consequentemente do fortalecimento do neoliberalismo.
O neoliberalismo vinculado ao processo de globalização, é resultado do "[...] ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista" (SANTOS, 2009, p.23), são as mudanças drásticas nas relações econômicas mundiais, vinculadas a ideia de um mercado global. Contudo, esse processo de internacionalização trouxe profundas consequências para os países da periferia do sistema mundo, como o Brasil, onde o Estado passou a ser menos regulador dos processos econômicos, e com isso deu espaço para as lógicas das grandes empresas multinacionais, globalizadas.
A globalização permeia o desenvolvimento do capitalismo, uma vez que, é considerada como um estágio de integração nacional por meio das relações de comércio entre os países. É importante destacar esse avanço da globalização articulado ao avanço das grandes economias, pois com o fim da guerra fria, ou seja, com o fim da bipolaridade econômica mundial, os Estados Unidos se coloca como uma grande potência econômica que impulsiona a ampliação do desenvolvimento econômico e o poderio militar desta nação sobre tantas outras.
Contudo, esse desenvolvimento vem articulado de relações econômicas entre outras potências, como a Europa e o Japão que passam a ampliar a reconfiguração dos seus territórios e de territórios distantes com o processo de expansão do capitalismo globalizado causando com isso vários impactos, econômicos, culturais, ambientais e sociais (HARVEY, 2004). Esses impactos são os responsáveis pelo desenvolvimento do capitalismo articulado ao crescente desenvolvimento desigual do espaço geográfico, tais como, aumento dos problemas ambientais, da fome, da urbanização, da falta de moradia, de mobilidade urbana, de desabrigados, de sem terras, da ausência do Estado-nação (HARVEY, 2004).
Portanto, a globalização
foi criada para pensar e expandir o sistema capitalista, que se recria
constantemente em suas crises, e com isso reconfigura, constantemente, as formas
de produção do espaço capitalista. Podemos considerar a globalização dentro das
relações de
desenvolvimento industrial,
tanto na primeira quanto na segunda revolução industrial. As relações de
mercado e de trabalho entre os países, bem como a produção e reconfiguração do
espaço geográfico, estavam articuladas aos processos de produção e avanço do
capitalismo.
A ampliação do processo produtivo trouxe consigo a ampliação das relações do desenvolvimento global que estabelece cada vez mais a ampliação das desigualdades entre os países, uma vez que os países mais desenvolvidos, acabam dominando os processos de produção e consequentemente o avanço da globalização. Há novas relações de produção dos territórios, e consequentemente, ampliam-se o poder das multinacionais, dos países centrais e das forças reais de poder global, ou seja, as grandes nações capitalistas, consideradas dentro do desenvolvimento do capitalismo, como países centrais (HARVEY, 2004).
Neste sentido, os processos de globalização e a lógica de desenvolvimento ampliada pela mesma, determina impactos significativos, sentidos pela maior parte da população e são refletidos tanto no contexto urbano, quanto no contexto do campo.
Outra noção ligada ao conceito de desenvolvimento, ou seja, o subdesenvolvimento. Esse conceito pode ser discutido a partir da Teoria da Modernização, que evidenciou a relação tradicional/moderno para pensar a evolução dos países, ou seja, podemos considerar dentro dessa teoria que, os países ditos subdesenvolvidos precisariam se modernizar para atingir condições igualitárias aos países ditos desenvolvidos.
Na Teoria da Modernização entendemos que, a lógica dos países centrais se alastra para os países subdesenvolvidos, "o modelo de organização social ocidental é a base fundamental para a construção da dicotomia tradicional/moderno" (OLIVEIRA, 2010, p.60), ou seja, se estabelece, em escala global, uma lógica de produção, consumo, circulação e modelos econômicos que passam a ditar os rumos do chamado desenvolvimento dos países centrais sob os países periféricos.
O conceito de desenvolvimento, portanto,
[...]
trouxe uma nova maneira da sociedade entender os processos de mudança
social. Como argumenta Escobar (1995), ao invés de entender
as mudanças sociais como um processo que está relacionado à
história e cultura de cada sociedade, o discurso do desenvolvimento que
se consolidou de maneira predominante no pensamento político ocidental
acredita na capacidade de promover estratégias para transformar
as sociedades em modelos pré-existentes, definidos de causas a efeitos,
alheio as especificidades locais. É devido a esse ponto que existe uma
ampla crítica ao discurso desenvolvimentista e a atuação das organizações
internacionais. Muitos argumentam que a atuação das organizações
internacionais e das estratégias de governança de maneira
geral podem ser entendidas como uma estratégia top-down e etnocêntrica,
que se vincula a reprodução do modelo de organização social
ocidental no resto do mundo
(OLIVEIRA, 2010, p.68).
Nesta lógica de um modelo pautado nos países centrais que o presente trabalho deseja chamar atenção para o Brasil e a questão do campesinato. Pois, a globalização impactou profundamente as relações do campo no Brasil. O debate sobre o campesinato é muito amplo, poderíamos expor noções de como se formou o camponês no Brasil, sua relação com a terra, a luta pela terra, os conflitos do campo, a subordinação deste ao sistema do capital, a transformação deste em assalariados, a ampliação do agronegócio e os impactos decorrentes no modo de vida do campesinato.
Autora Raqueline da Silva Santos, texto extraído do artigo: A CENTRALIDADE DO CAMPONÊS NA QUESTÃO REGIONAL DO BRASIL.
